quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A música na literatura # 7 in Dança, Dança, Dança

«Segui viagem em direção a oeste, depois de ter ligado a rádio, pela primeira vez desde há muito tempo. Apanhei uma estação que só passava música rock. A maior parte das canções não tinha graça nenhuma. Fleetwood Mac, Abba, Melissa Manchester, os Bee Gees, KC & the Sunshine Band, Donna Summer, Eagles, Boston, os Commodores, John Denver, Chicago, Kenny Rogers... Eram tudo músicas que apareciam e desapareciam como bolhas de espuma na água. Que bodega. Típica música de grande consumo, destinada unicamente a extorquir aos adolescentes a sua semanada. (...)
(...) Enquanto guiava, tentei lembrar-me de algumas cantigas sinistras que nos meus verdes anos costumavam passar na rádio. Nancy Sinatra...Que porcaria. Os Monkeys, outros que tais. Até mesmo Elvis tinha uma quantidade de músicas que não se aproveitavam para nada. Sem esquecer um tipo ridículo que dava pelo nome de Trini Lopez! Grande parte do repertório de Pat Boone fazia-me pensar em música para anúncios de sabonetes. Bobby Rydell e Anetto eram péssimos. Ah, é verdade, faltavam os incontornáveis Herman's Hermits, outra desgraça que tal. Uma após outra, as bandas inglesas daquela época acorriam-me à ideia em catadupa. Os seus músicos tinham todos os cabelos compridos, as roupas bizarras e ridículas... Vejamos, de quantas é que me conseguiria lembrar? Honeycombs, Dave Clark Five, Gerry and the Pacemakers, Freddie and the Dreamers... e poderia continuar por aí fora. Jefferson Airplane fazia lembrar um cadáver enrijecido. Só de ouvir Tom Jones, ficava arrepiado. E tínhamos ainda Engelbert Humperdinck, cópia grosseira do tal Tom Jones. E os Tijuana Brothers e outros iguais a eles, com as suas canções que mais pareciam jingles publicitários. Os certinhos Simon & Garfunkel e os psicadélicos Jackson Five. (...)
(...) Nisto começou a tocar o tema «Brown Sugar» dos Rolling Stones. Sem querer, dei por mim a sorrir. Era uma canção porreira, pensei com os meus botões. E decente. Se não me engano, «Brown Sugar» estava na berra em 1971. (...)
(...) A seguir ao Rod Stewart, o locutor anunciou uma canção em nome dos bons velhos tempos. «Born to lose», de Ray Charles. Uma canção triste, por sinal ... «Born to lose» ... cantava Ray Charles, «and now I'm losing you». 
Ao ouvir aquela canção, senti-me verdadeiramente melancólico. Quase a chorar. Volta e meia, acontece-me, por uma coisa de nada. Alguém ou alguma coisa toca no ponto mais sensível do meu coração. Desliguei o rádio, parei o carro no posto de abastecimento, dirigi-me à zona do restaurante e mandei vir uma sanduíche e um café. Fui até à casa de banho e lavei muito bem as mãos sujas de terra. Bebi duas chávenas de café mas só consegui dar duas ou três dentadas no pão...»
in «Dança, Dança, Dança», pgs. 18,19

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