sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A música na literatura # 9 in Dança, Dança, Dança

«Coloquei as malas no porta-bagagem e arrancámos devagarinho, sem destino certo, debaixo da neve que continuava a cair. Yuki tirou uma cassete do seu saco, pô-la a tocar. Era David Bowie em "China Girl"
A seguir ouvimos Phil Collins, Jefferson Starship, Thomas Dolby, Tom Petty & the Heartbreakers, Hall & Oates, Thompson Twins, Iggy Pop, Bananarama e por aí fora. O género de música que costumam ouvir as adolescentes.
 

 Depois tocou a vez aos Stones com "Going to a Go-Go". - Esta conheço eu! - gabei-me. - Antigamente era cantada pelos Miracles, Smokey Robinson & the Miracles. Eu devia ter os meus 15 ou 16 anos...
- Ah sim? - disse Yuki, sem demonstrar ponta de interesse.
- «Going to a Go-Go...» - fiz coro com os Stones.
A seguir, Paul McCartney e Michael Jackson cantaram juntos o tema «Say Say Say».
(...)
Fiz a cassete deslizar para dentro do leitor. Começava com Sam Cooke a cantar "Wonderful World". "Don't Know much about history..." Particularmente, acho essa canção óptima. Sam Cooke foi assassinado com um tiro quando eu andava no ensino básico. A seguir vinham "Oh Boy", de Buddy Holly. Outro que tal, morreu num acidente aéreo. De Bobby Darin, "Beyond the sea". Também já falecido. Elvis "Houng Dog" Presley, morte por overdose. Todos eles mortos. Tirando talvez Chuck Berry, com o seu "Sweet little sixteen". Sempre comigo a fazer coro.

- Conheces realmente bem essas músicas! - disse Yuki, genuinamente impressionada.
- É um facto. Naquele tempo era louco por rock, tal como acontece contigo agora - expliquei - Quando tinha mais ou menos a tua idade, passava a vida de ouvido colado à rádio. Lembro-me de que gastava todo o dinheiro que recebia em discos. Achava que o rock'n'roll era a melhor coisa que tinham inventado.
- E hoje em dia?
- Ainda oiço. Gosto de algumas coisas. Mas já não presto assim tanta atenção, a ponto de decorar as letras. Nos dias que correm já não me comovo por tudo e por nada, como acontecia dantes.
- Porquê?
- Porquê?
- Sim, porquê? Diz lá.
- Talvez seja porque, a partir de uma determinada altura, descobrimos que as canções realmente boas, tal como as coisas realmente boas, se contam pelos dedos - disse eu. - É como em tudo na vida. Livros, filmes, concertos...
(...)
Começou a tocar "Come go with me", dos Del Vikings, e eu comecei a trautear uma parte em coro. Depois virei-me para Yuki e perguntei-lhe:
- Faz-te diferença?
- Não, nada mal - respondeu.
- Nada mal - repeti.
- E agora que já não és assim tão novo, ainda te apaixonas? - perguntou Yuki.
Aquilo deu-me que pensar durante alguns momentos.
(...)
"Sugar Shack", de Jimmy Gilmer. Comecei a assobiar enquanto conduzia. À nossa esquerda estendia-se uma planície a perder de vista toda coberta de neve. "Just a little shack made out of wood. Expresso coffee tastes mighty good." Uma boa safra, a de 1964.
(...)
Aos poucos, tinha nascido entre nós uma certa cumplicidade, ao ponto de cantarmos os dois em coro o refrão de "Surfin'USA", dos Beach Boys. Que é como quem diz, aquela parte mais fácil, que diz "inside outside USA". Foi divertido. Pelos vistos, eu ainda não estava pronto a integrar a categoria dos velhos ogres.»
in Dança, Dança, Dança, de Haruki Murakami (pgs 141 - 145- excertos) 

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